"Comparo
a fortuna a um desses rios violentos que quando estão enfurecidos causam
inundações na planície, derrubam árvores e edifícios. Todo mundo foge diante
deles. Todos os rendimentos de seu ímpeto. Não há possibilidade de resistência.
No entanto, embora seja a sua natureza, podemos ainda tomar precauções quando
eles estão fluindo tranquilamente, construindo represas e diques para controla-los
em tempo de inundação. Assim é com a fortuna." – capítulo 25 ('fortuna',
ou a história humana) de 'O Príncipe', de Nicolau Maquiavel.
"Caro
Sr. Governante, sinto-me honrado por ter pedido meus conselhos quando assumiu
as responsabilidades terríveis de sua função pública. Posso oferecer várias
regras de ouro, que acredito que o tempo e a experiência tem provado serem
úteis. Aja com ousadia no começo. O público tem atenção por pouco tempo e isto
vai fazê-los esquecer as realizações de seu antecessor e impressioná-los com o
seu vigor. Faça a sua primeira prioridade a proteção do seu poder. Sem ele você
é inútil. Pareça rígido, mas seja flexível. Lembre-se, alguns dos maiores dons
de Deus são desrespeitados em promessas de campanha." – uma paráfrase de
palavras escritas no ano de 1513 por um funcionário civil demitido em Florença,
Itália.
O
funcionário? Nicolau Maquiavel. O que ele escreveu realmente? Um dos livros
mais debatidos, perturbadores e importantes da civilização ocidental – que para
alguns é o precursor da política moderna: 'O Príncipe'.
Nascido
em Florença, em 1469, Nicolau Maquiavel foi nomeado secretário político pelo novo
"regime republicano" em 1497, após a queda dos Médici e do seu sucessor,
Savonarola. Ele frequentou tribunais italianos, alemães e franceses, bem como a
Santa Sé. De 1499 a 1512, conheceu como diplomata todos os principais líderes
do seu tempo, solicitando aos governantes de Florença que levantassem um
exército para garantir a república. No entanto, o exército de 400 homens não
conseguiria proteger Florença contra as tropas espanholas e papais.
Após
a queda da república em 1513, os Médici voltaram ao poder, demitiram Maquiavel
e descobriram um complô para derrubá-los. Eles tinham uma lista de
conspiradores e o sétimo nome da lista era o de Nicolau Maquiavel. Apesar de os
conspiradores nunca terem se encontrado com Maquiavel, isso não foi relevante,
pois ele era um suspeito e os Médici não necessitavam de muitas desculpas para
jogá-lo na prisão, onde foi torturado como suspeito de conspiração.
Na
primavera de 1513, Giovanni de Médici tornou-se o Papa Leo X, e Maquiavel foi
libertado pela anistia geral, mas com restrições. Ele estava limitado a
permanecer na região de Florença. Barrado na prefeitura e banido da política, ele
se aposentou em sua fazenda próxima à cidade e escreveu obras políticas, como 'O
Príncipe', 'Discursos', 'A Arte da Guerra' e 'As Histórias de Florença'. Ele
também escreveu romances, poesias e peças de teatro. Maquiavel nunca ganhou o
favor da família Médici, morrendo pobre em 21 de junho de 1527, contudo seu
legado permanece muito em voga hoje.
E
de certo modo, Maquiavel trabalha como escritor e conselheiro de governantes ao
redor do mundo. E há mais do que uma metáfora aqui. Pois para muitos, Maquiavel
inventou a política como a conhecemos hoje, e a política como conhecemos, nos
mostrou nos últimos tempos que se apoia em Maquiavel, com seus conselheiros,
estrategistas, marqueteiros, etc.
Maquiavel
viveu quando novas ideia e tecnologias estavam mudando para sempre as
realidades do poder e as noções de governo. Assim como nós. E seu conselho para
analisar cuidadosamente as exigências para o sucesso, sem perder a coragem de
agir, parece hoje, dolorosamente relevante.
Alguns
leitores de 'O Príncipe' sentem cheiro de enxofre em suas páginas. Outros acham
que é mais parecido com amônia, repugnante, mas profundamente esclarecedor. E
na verdade, grande parte do que Maquiavel escreveu, simplesmente descreve como
as coisas eram realmente feitas em seu tempo.
De
todo modo, lhe convido a viajar comigo pelos conselhos deste mestre da
política, realizando o exercício de visualizá-los nos dias atuais. (E para conhecer
mais sobre Maquiavel e seu livro: 'O Príncipe', há um ótimo documentário em: Grandes Livros: O Príncipe).
Antes
de abordar as temáticas do livro, gostaria de desejar a todos os amigos que
acompanham o Mirtu's Blog, miríades de felicidades neste ano que se inicia. Um
ótimo 2014 para todos nós, que todos busquemos mais conhecimento e tenhamos a
capacidade de perseverar naquilo que acreditamos. Esse é um ano importante para
todos os brasileiros, em que muitos eventos acontecerão e muitas decisões serão
tomadas, então vamos começar hoje a entender um pouco mais sobre os meandros
da política e tentar não deixar que sejamos manipulados pelos que dominam essa
arte.
'O
Príncipe', de Maquiavel:
As
formas de governo
As
pessoas vivem sob dois tipos de governo: ou são cidadãos de um Estado Livre,
como uma República, ou são súditos de uma Monarquia. Um líder pode chegar ao
governo por herança, ou através da obtenção de novos territórios. O líder pode
ser o fundador de novas entidades, ou pode conquistar cidades e regiões
existentes. Um líder que herda o seu reino encontrará menos problemas tanto em
governá-lo como em mantê-lo. Em primeiro lugar, o povo aceita e respeita o seu
poder, pois vem de uma longa tradição de liderança. E em segundo lugar, todos
os potenciais oponentes estariam em desvantagem, uma vez que teriam de recorrer
à crueldade para ganhar respeito, perdendo assim o apoio do povo.
A
forma correta de conquista
A
língua desempenha um grande papel no sucesso da anexação de estados. Quando o
novo território agregado fala a mesma língua do território existente, o
governante pode assumir o poder derrubando a família governante e mantendo as
leis existentes. Na maioria dos casos, os cidadãos não vão representar problema
algum. No entanto, para afirmar a sua autoridade e fazer a sua presença
conhecida, um chefe de Estado deve sempre erguer uma residência oficial. A
criação de colônias é uma forma barata e eficaz de aumentar o seu poder e é
mais fácil do que conquistar países inteiros. No caso das colônias, um
governante precisa desapropriar apenas alguns habitantes poderosos e
empobrece-los o suficiente para que não mais representem qualquer ameaça
significativa no futuro. Afaste-os e mantenha os seus aliados nas terras deles.
Regra geral, procure tirar o homem forte do poder e tornar os menos poderosos
seus aliados.
Mantendo
o poder
Alguns
reinos são mais difíceis de conquistar uma vez que possuem um único líder
supremo, o qual é difícil de depor, ou eliminar. Caso consiga destronar tal
soberano, o governo posterior será relativamente fácil já que você não terá que
enfrentar senhores territoriais lutando por seus próprios interesses. Em alguns
Estados, a tomada do poder é simples, mas mantê-lo é difícil. Um grande número de
príncipes e nobres famintos pelo poder cercam o rei e é fácil formar alianças.
Se você derrotar o rei, mas não conseguir desalojar os outros nobres, a
manutenção do poder vai se tornar uma empreitada miserável. Depois de
conquistar um território, são necessários 3 passos para se proteger:
1.
Destrua a cidade capital. Esta é a coisa mais segura a fazer.
2.
Estabeleça uma residência na região.
3.
Crie um governo formado por cidadãos locais leais. Desta forma, o Estado pode manter
as suas próprias leis, ainda assim atendendo a sua autoridade.
A
conquista através da habilidade e sorte
Um
governante que assume um império pela conquista deve usar as suas forças para
manter o seu domínio. No entanto, um cidadão comum que se torna governante
geralmente não tem um exército privado e, portanto, deve proceder com cautela.
Caso tenha subido ao poder com a ajuda de alguém, deve agir com sabedoria para
não perder a sua posição muito rapidamente.
Por
exemplo, para subir ao poder, Cesar Borgia confiou demais no seu pai, Rodrigo Borgia,
eleito em 1492 como o Papa Alexandre VI. Cesar Borgia viu a sua chance de
assumir a Romagna, na Itália, quando o papa concedeu ao rei francês a
dissolução do seu casamento e o monarca expressou a sua gratidão enviando
tropas para o papa. Com esse poder, Borgia logo nomeou a si mesmo duque. O novo
governante usou todos os meios para consolidar o seu poder. Ele assassinou os
seus adversários políticos e escolheu um novo governador, Remirro Del Orco, um
espanhol conhecido por sua crueldade. Na época, a Romagna estava à beira da
anarquia e Del Orco restaurou a ordem com mão de ferro. No entanto, seus
métodos severos tornaram o governo extremamente impopular. Para se distanciar
das ações de Del Orco e trazer a opinião pública para o seu lado, Borgia
executou o governador, colocando os seus restos mortais em exposição para
satisfazer as massas. Para eliminar a ameaça de um novo papa, o que teria sido
perigoso para ele e seu pai, Borgia depôs toda a família reinante e conquistou
a simpatia dos nobres de Roma e da maioria do Colégio de Cardeais. Como uma
medida extra, se esforçou para ampliar o seu poder com novas conquistas. No
entanto, antes que obtivesse êxito, o seu pai morreu e ele adoeceu gravemente.
Por fim, foi incapaz de lutar contra o avanço dos exércitos espanhóis e
franceses.
Outras
formas de assumir o controle
Um
cidadão comum pode se tornar governante de duas outras maneiras. Primeiro, ele pode
usar o jogo sujo para subir ao poder. A sorte não desempenha papel algum aqui.
O indivíduo assegura assim o controle de forma impiedosa e independente.
Agátocles de Siracusa utilizou a astúcia para subir ao poder em 300 a.C. Filho
de um oleiro, ele galgou a hierarquia militar e, eventualmente, foi atrás do
título de Príncipe. Um dia, ele organizou uma reunião com cidadãos ricos e
membros do Senado. Tendo reunido os mais poderosos, os guardas selaram as
portas da sala de reunião e cada um teve um fim terrível. Depois disso, ninguém
se atreveu a desafiar Agátocles. No entanto, este método de tomada do poder é
covarde e Agátocles nunca vai ter lugar entre os grandes devido a isso. Caso
seja necessário cometer atrocidades para conquistar o poder, um pretendente ao
trono deve ser rápido e sempre em combate. Uma vez tendo conseguido o resultado
desejado, ele deve conter as suas ações. Sob circunstância alguma deve
continuar usando a força. Aqueles que expõem os seus súditos a graus crescentes
de violência logo perdem o domínio.
Em
segundo lugar, os cidadãos podem subir ao poder quer com a ajuda de outros
cidadãos como com a ajuda dos poderosos. O último caso é difícil porque cada um
desses "homens poderosos" sente que ele mesmo deve governar e em
grupo esses indivíduos poderosos procuram oprimir o povo. No entanto, líderes
que sejam verdadeiros homens do povo reforçam o seu poder assegurando o apoio
dos seus súditos. Se o povo antecipa que o seu governante será cruel, este pode
promover boas ações para incentivar a lealdade do povo.
Sob
cerco
Um
governante forte precisa geralmente de um exército particular para que possa se
sair bem no campo de batalha. No entanto, caso um governante sem exército
esteja sob cerco, o seu único recurso é recuar para uma fortaleza. Para tal, a
cidade deve estar preparada com antecedência. As cidades imperiais na Alemanha
são protótipos de tais "cidades livres". Elas são tão bem protegidas
e abastecidas que podem suportar facilmente um cerco de um ano. Este longo
período deixa os atacantes vulneráveis à mudança das estações e na maioria dos
casos eles são forçados a recuar vergonhosamente. Outra arma no arsenal de um
governante é a popularidade. Se for admirado, as pessoas vão permanecer leais e
um atacante estrangeiro terá maior dificuldade em penetrar as defesas da nação.
Finalmente, a liderança espiritual é uma ferramenta útil: quando o governante
promove as tradições e o culto a Deus, os seus cidadãos não ousam se rebelar.
Forças
mercenárias
Quem
procura consolidar seu governo precisa de boas leis e um exército forte.
Aqueles que precisam contar com soldados mercenários acabarão por enfrentar
traição e infidelidade. Estes soldados servem os seus senhores por ganância,
não por honra ou dever. Eles são geralmente desonestos e roubam o povo em
tempos de paz. Em tempo de guerra, os mercenários muitas vezes se acovardam e
podem até mudar de lado. Os líderes mercenários são especialmente perigosos: se
forem experientes, procuram atrair o poder para si mesmos. Líderes mercenários
amadores, por outro lado, danificam o país através de uma gestão deficiente.
A
arte da guerra
Um
governante nunca deve negligenciar a arte da guerra, pois se espera acima de
tudo que ele se destaque na guerra e na defesa. Muitos cidadãos já subiram ao
poder aperfeiçoando as suas habilidades de guerra e técnicas de batalha. O
oposto também é verdadeiro: muitos governantes foram depostos por terem evitado
ir à guerra. Mesmo em tempos de paz, os líderes devem manter os seus exércitos
prontos para a batalha. A preparação é a chave para a vitória. Um Príncipe
também deve conhecer os seus territórios como a palma da mão, já que ele não
vai querer cair em seus próprios pântanos ao tentar enganar o inimigo. O
governante sábio deve aprender com as lições de outros que tiveram sucesso nas
batalhas.
Melhores
práticas
Não
há benefício algum para um líder aderir a ideais. Rodeado por pessoas sem escrúpulos,
a pessoa boa será derrotada inevitavelmente. Se um governante possui certas
virtudes, melhor. Se ele possui falhas de caráter, deve mantê-las escondidas.
As pessoas acreditam no que veem sem investigar mais profundamente o assunto.
Por exemplo, a generosidade é em grande parte uma característica inútil para um
chefe de Estado. Eventualmente, ele vai ter que aumentar os impostos e logo as
pessoas vão passar a odiá-lo. Quem tem a reputação de avarento não deve tentar
mudar isso.
Um
príncipe deve ser amado e igualmente temido. Se ele tiver que escolher apenas
um ou outro, ele deve optar por disseminar o temor entre o povo, mas não tanto
que se transforme em ódio. Ser caridoso demais alimenta a anarquia, ao passo
que, através da crueldade, a paz é mantida. Um governante bondoso raramente
pode contar com a gratidão dos seus súditos: eles se tornam instáveis e não
retribuem a sua bondade.
Caso
seja necessário, o chefe de Estado pode quebrar a sua palavra. Afinal, isso é
algo que todo mundo faz. No entanto, ele deve ter uma razão válida para essa
quebra de promessa. Quem consegue criar uma aparência de virtude absoluta
estará em uma posição forte. O povo acredita no que vê e segue o soberano com
prazer.
Empregue
ministros capazes e que sejam comprometidos com os interesses do Estado. Se
eles forem confiantes e inteligentes, permita-lhes que digam a verdade ao invés
de bajulá-lo quando as coisas não vão bem. Insights
são mais úteis do que elogios. Leve em conta as seguintes precauções finais:
•
Nunca mexa com os bens ou mulheres dos cidadãos.
•
Proteja os seus meios de subsistência e incentive o trabalho.
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